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MATÉRIA TÉCNICA: Qual a melhor solução para acabar com os lixões até 2024?

A sociedade, como um todo, deve conferir o correto tratamento aos Resíduos Sólidos Urbanos – RSU (lixo), sempre respeitando a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, que determina que somente rejeitos devem ser enviados a aterros sanitários.

Nesse sentido, ressalte-se que as metas iniciais do Plano Nacional de Resíduos Sólidos – PLANARES (ainda em audiência pública), objetivam que, até 2024, a quantidade de RSU a ser desviado de lixões e aterros controlados corresponderá a impressionantes 97 mil toneladas por dia, equivalente à produção de RSU em toda a França.

Esse é o tamanho do desafio que não poderá jamais ser alcançado sem a implementação massiva de usinas Waste-to-Energy (WTE) ou recuperação energética de resíduos, lembrando que todas as tecnologias de tratamento (reciclagem, biodigestão, compostagem e WTE) têm seu lugar em um sistema de gestão de RSU integrado e sustentável, desde que corretamente aplicadas aos fluxos de resíduos que podem ser destinados por cada uma delas, ficando os aterros apenas para receber os rejeitos decorrentes do processo de tratamento. Nesse sentido é bom lembrar que o tratamento adequado reduz o volume dos rejeitos a serem direcionados aos aterros, conferindo a eles uma importante e estratégica extensão de sua vida útil.

No Brasil, temos uma situação caótica no setor de resíduos sólidos. Estamos 50 anos defasados em práticas de gestão sustentável em relação aos países desenvolvidos e, por incrível que pareça, estamos atrás de vários países em desenvolvimento como por exemplo, China, Índia e Etiópia. Os problemas históricos provocados pela má gestão implicaram na inexistência de plantas de tratamento em escala comercial.

Essas distorções levaram a níveis de tarifas pagas para os “demais serviços, inclusive administrativos e com unidades de processamento”, a valores ao redor de R$ 108 por tonelada, de acordo com dados do SNIS, sendo aterros apenas uma parte deste custo, ou seja, valores excessivamente baixos para se galgar evoluções na destinação final de resíduos, de acordo com as determinações legais.

Empreendimentos de recuperação energética dispõem de 2 principais fontes de receitas: venda de energia e tratamento de RSU. Considerando-se a baixa flexibilidade dos municípios para aumento do custo de destinação final de seus resíduos, tendo em vista a necessidade de investimentos sociais de grande porte em todo País, resta como opção a criação do mercado de novas fontes de energia provenientes do tratamento de resíduos sólidos urbanos.

Para o fomento dessas novas fontes de energia, deve-se instituir tarifas progressivas dedicadas para cobertura dos custos complementares dos empreendimentos durante a fase de implantação do mercado, na forma de uma política publica de interesse nacional, para que perdure por alguns anos durante o processo gradual de alocação dos custos para geradores de RSU.

É importante ressaltar que o desenvolvimento do mercado de tratamento de resíduos deve atrair investidores e fabricantes de equipamentos nacionais e internacionais, e a geração de um significativo volume de empregos, a partir da estruturação de um grande número de projetos viabilizados através de estímulos momentâneos, como ocorreu com as fontes solar e eólica em um passado recente.

O novo marco legal do saneamento torna mandatório, para todos os municípios, celebrarem contratos de concessão patrocinada pelo prazo de 30 anos, mediante parcerias público privadas (PPPs) decorrentes de processo licitatório. Esse novo marco legal também induz a formação de consórcios regionais para redução de custos dos serviços de saneamento, e traz a possibilidade de cobrança dos custos de coleta, tratamento e destinação final de resíduos através de taxas incorporadas na conta de água dos cidadãos.

Tais mecanismos trazem garantias para o financiamento de investimentos e cobertura dos custos de operação dos empreendimentos, propiciando o cenário perfeito para o desenvolvimento das usinas WTE. No entanto, o desenvolvimento dos estudos, modelagens e licitações das PPP’s leva de 2 a 5 anos, até o inicio das obras, que podem consumir mais 3 anos, ou seja, falamos de prazos de 5 a 8 anos até a conclusão de um empreendimento que pode substituir a forma ilegal de destinação de resíduos sólidos que se pratica no Brasil hoje. Isso nos leva a seguinte pergunta: Ficaremos esse tempo todo sem solução alguma neste setor?

Ressaltamos que os valores médios atualizados de tarifas de energia que permitem a viabilização de usinas de recuperação energética de resíduos sólidos, foram calculados pelo Ministério de Minas e Energia na ordem de R$ 600,00/MWh, conforme consta na Portaria nº 65/2018.

Todavia, os atributos das usinas de recuperação energética são inquestionáveis. Se considerarmos os ganhos com externalidades (redução de custos de transmissão, de transporte de RSU e benefícios à saúde pública) este custo de produção de 600 R$/MWh seria reduzido (em média) a apenas 110 R$/MWh, tornando-a a fonte mais atrativa entre todas.

A precificação da energia em um leilão regulado não é apenas sobre o critério de preço, pois ela deve valorar os atributos ambientais da fonte. Veja o que consta no art. 26, § 1º-E, da Lei 9.427/96, acrescido pela MP 998/2020:

“§ 1º-E O Poder Executivo federal definirá diretrizes para a implementação no setor elétrico de mecanismos para a consideração dos benefícios ambientais relacionados à baixa emissão de gases causadores do efeito estufa, em

consonância com mecanismos para a garantia da segurança do suprimento e da competitividade, no prazo de doze meses, contado de 1º de setembro de 2020.”

Para o cálculo do Índice de Custo e Benefício (ICB), o MME agora deverá valorar a redução de Gases de Efeito Estufa (GEE) no preço da energia. Isso veio como um benefício em razão da extinção do desconto da TUSD/TUST das usinas limpas e renováveis. Como se sabe, as usinas WTE reduzem em 8x as emissões de GEE, sendo que os resíduos sólidos urbanos representam de 3 a 5% das emissões globais.

No PLS 232 também teremos a energia lastro que terá os atributos devidamente valorados. A lei não fala quais serão os atributos, cabendo MME proceder à regulamentação. No entanto, é inquestionável que o atributo socioambiental deverá ser valorado, e os custos evitados das WTE poderão ser incorporados nesta precificação.

Além disso, a WTE é a termoelétrica mais limpa que existe hoje. Por razões de custo e logística, são instaladas nos centros das cidades, injetando energia com fator de capacidade médio de 93%, no centro de carga, o que resulta em alívio à rede elétrica onde está conectada, melhora a confiabilidade e estabilidade do sistema elétrico e reduz a necessidade de novos investimentos em transmissão e distribuição de energia.

Apenas como referência, em preços atuais, estamos pagando tarifas ao redor de 600,00 R$/MWh (correção pelo IGP-M) para os parques eólicos contratados através do PROINFA em 2006, isso sem considerar o custo da transmissão. Não fosse o PROINFA, não teríamos atingido a participação atual das fontes eólica, PCH e biomassa na matriz elétrica do País. Naquela época, a previsão era gerar 150 mil empregos no Brasil com as contratações de energia previstas no PROINFA, e a implantação das fontes fomentadas. Este é o mesmo número de empregos diretos estimados com a implantação das usinas WTE, apenas para resolver o problema do desvio e tratamento dos resíduos dos lixões e aterros controlados, fora os empregos indiretos e os demais gerados com o atendimento pleno da PNRS através do correto tratamento dos resíduos no Brasil, ou seja, trata-se de uma revolução social e econômica país.

As usinas WTE também trazem enormes benefícios para a saúde pública. O Brasil gasta, hoje, ao redor de 2,7 bilhões por ano no tratamento de saúde, em decorrência de contato inadequado com o lixo urbano, ao passo que os países que mais usam as usinas WTE são os que têm menores gastos de saúde nesse sentido.

Fonte: Jornal Correio Brasiliense (lixão da Estrutural, Brasília, maior da América Latina,20/01/2018) –

Tais atributos precisam ser adequadamente valorizados no preço da energia, sob pena da sociedade toda continuar pagando pelos danos à saúde pública e ao meio ambiente nas próximas décadas. Com a criação do novo mercado de tratamento de resíduos, os preços irão cair e se tornar mais competitivos, mas sem um incentivo inicial não iremos conseguir viabilizar nenhum projeto no Brasil.

Comparados com o preço de compra da energia elétrica pelas distribuidoras no Brasil, para algumas fontes contratadas em caráter emergencial (muitas delas chegando a R$ 1.200/MWh), os custos para geração de energia a partir de usinas WTE passam a ser muito competitivos. Como alternativa para novas melhorias ambientais e utilização da energia de usinas WTE, sugere-se que os municípios promovam a eletrificação de suas frotas de ônibus públicos e caminhões coletores de lixo, os quais passariam a ser abastecidos com a energia dessas usinas.

Conforme estudos elaborados pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos – ABREN, as frotas de ônibus e caminhões coletores consumiriam de 70% a 100% da energia das usinas WTE, trazendo um grande benefício a sociedade, tanto no aspecto ambiental como energético. Com isso, também seria eliminado o suprimento dessas frotas com combustíveis fosseis importados (óleo diesel), reduzindo assim, o ruído e as emissões fósseis nas cidades, ampliando ainda mais os benefícios de saúde aos cidadãos. Além disso, surge a possibilidade de concessões de longo prazo para os serviços de transporte público e coleta de lixo, com custos estáveis e independentes da variação cambial e do petróleo.

No entanto, até que se estabeleçam as regras deste novo modelo, seria necessário fazer
“decolar” os primeiros projetos de usinas WTE, cujo custo representaria um adicional à
população em termos de custo na conta de luz de 0,20 R$/hab-dia para a população de cada município que implementar tais usinas, o que representa um custo infinitamente menor do que os benefícios recebidos.

Para neutralizar este custo, a ABREN sugere ainda a comercialização dos créditos obtidos a partir da redução de emissão de GEE, o que seria possível caso estes atingissem em média 10 US$/t COeq. A ABREN está buscando alternativas para que todos os setores, e principalmente a população, sejam beneficiadas por esta solução, e por isso não consideramos que as tarifas requeridas não representam “subsídios” para qualquer setor, mas apenas um fomento temporário para viabilização de uma importante solução que vai mudar a vida dos brasileiros em termos de saúde, meio ambiente e que, em suma, representam custos menores para sociedade como um todo.

É importante que todos percebam que não se trata de defender um setor em particular, mas de criar valor para toda sociedade, com soluções integradas de energia e saneamento em que todos saem ganhando.

A medida em que as usinas WTE começarem a ser implementadas no Brasil, todo o ambiente de negócios nessa área será reestruturado, com novos redirecionamentos de custos conforme os benefícios forem identificados, mensurados e contabilizados. Com as novas atribuições da Agência de Águas e Saneamento (ANA), essas atividades deverão ser devidamente tratadas de modo a se obter resultados superiores em termos de tratamento de resíduos e saneamento de modo geral para o Brasil. Os próximos anos serão de mudanças, quebra de paradigmas e grandes desafios, mas certamente, a sociedade passará a um novo degrau de desenvolvimento, se espelhando nas melhores práticas adotadas no mundo.

Usina Waste-to-Energy na cidade de Roskilde, Dinamarca, ao lado da UNESCO World Heritage listed cathedral.

Yuri Schmitke A. Belchior Tisi. Presidente da ABREN, Presidente do Waste-to-Energy Research and Technology Council – WtERT Brasil e sócio da Girardi & Schmitke Advogados.

Antonio Bolognesi. Presidente do Conselho da ABREN, Diretor Presidente da WTEEC Engenharia Ltda e da Operman Engenharia e Consultoria Ltda.

Flavio Matos. Conselheiro da ABREN, Coordenador do Waste-to-Energy Research and Technology Council – WtERT Brasil e Diretor Técnico da WTEEC Engenharia Ltda

Texto escrito pelo Engenheiro Eletricista Antonio Bolognesi

Publicado no Canal Energia de 03/11/2020

 

Crédito da foto de capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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